terça-feira, novembro 04, 2014

Dirceu vai para casa

Os filiados, simpatizantes e eleitores do PT realmente concordam que o partido exalte como heróis os artífices do mensalão?
José Dirceu está a apenas uma audiência de deixar definitivamente a Papuda. Mensaleiro condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a sete anos e 11 meses de prisão em regime semiaberto, Dirceu não vai passar nem um ano na cadeia. Preso em 15 de novembro do ano passado, o ex-ministro-chefe da Casa Civil conseguiu abater 142 dias de sua pena graças à leitura de livros, estudo e trabalho. Com isso, ele antecipou o cumprimento de um sexto da pena, requisito para pedir a progressão de regime.

Por mais indignados que muitos brasileiros possam ficar com a possibilidade de ver Dirceu em casa – situação, aliás, na qual já estão José Genoino e Delúbio Soares, e que aguarda João Paulo Cunha em janeiro de 2015 –, a decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso é perfeitamente legal. Se a legislação parece leniente demais para com os criminosos condenados, que se faça um esforço para alterá-la, em vez de pleitear que ela não seja cumprida só por causa da (má) reputação da pessoa em questão. Mas não é exatamente disso que pretendemos tratar, durante estes últimos dias de Dirceu na Papuda.

Quando da concessão de regime aberto a Genoino, o Partido dos Trabalhadores, em sua página no Facebook, publicou uma foto do ex-deputado com o tradicional braço erguido e as palavras “Liberdade merecida”. O texto da Agência PT de Notícias nem sequer mencionava o mensalão. Não há motivos para pensar que será diferente com Dirceu. Afinal, enquanto outras legendas punem ou expulsam seus membros envolvidos em esquemas de corrupção, o PT abraçou os seus, desrespeitando inclusive seu regimento. Foram promovidos atos de desagravo a Dirceu, Genoino, Delubio e Cunha em todo o país, inclusive em Curitiba. Eles eram saudados como “guerreiros do povo brasileiro”. A própria presidente Dilma Rousseff, durante a campanha do primeiro turno, evitou criticar essa atitude quando, em entrevista ao Jornal Nacional, esquivou-se da pergunta sobre a maneira como o partido tratava os condenados do mensalão. Perdeu a chance de deixar, a todo o Brasil, uma mensagem dura contra a corrupção.

E o mensalão não foi um escândalo qualquer. Precisamos resistir à tentação de acreditar que “casos de corrupção são todos iguais”, ou que “todos são igualmente corruptos”. O que houve no primeiro mandato Lula foi muito além da simples corrupção: foi um atentado contra a democracia, uma tentativa de subverter a independência entre os poderes com a compra de apoio parlamentar. Vários ministros do Supremo ressaltaram esse fato durante o julgamento. Carlos Ayres Britto chamou o esquema de “golpe”. Celso de Mello falou em “atentado aos valores estruturantes do Estado Democrático de Direito”. E não queremos, com isso, diminuir outros escândalos, de governos passados e presentes – buscamos apenas ressaltar a gravidade deste caso, em que se montou um esquema para fraudar a democracia brasileira.

E por isso nos dirigimos àqueles filiados, simpatizantes e eleitores do PT que se preocupam com o estado da nossa jovem democracia, que completa três décadas no ano que vem. Pois não conseguimos imaginar que tantas pessoas de bem concordem – ou pelo menos não vejam um problema tão grave assim – que um partido político exalte como heróis os artífices do mensalão, ou negue a própria existência do esquema, apesar de todas as provas levantadas. Seria esse o preço a pagar pelos indicadores sociais dos governos petistas, o de acolher e reverenciar criminosos condenados por promover um atentado contra a democracia? Que saibamos todos resistir ao simplismo e analisar essas atitudes pelo que realmente significam, especialmente quando se trata daqueles que desejam conduzir os rumos do nosso país.


Editorial, Gazeta do Povo

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