quinta-feira, janeiro 15, 2015

A investigação chega ao clímax

O governo Dilma Rousseff está sob investigação do TCU e do Ministério Público por conta de manobras nas contas públicas. Agora, uma investigação está finalizada – e ela tem potencial explosivo. Entenda os detalhes e o que está em jogo:

O governo Dilma Rousseff está sob investigação. Por três meses, no fim do ano passado, as contas públicas e os agentes do Tesouro Nacional e do Banco Central estiveram sob o escrutínio dos auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) e também de procuradores da República do Ministério Público Federal (MPF). Agora, o governo está “apenas” sob a lupa do MPF. A razão?

O TCU concluiu sua investigação.

O leitor do Estadão soube, no domingo, quais foram as principais definições do relatório final da investigação conduzida pelo TCU nas contas públicas. O resultado cai como uma bomba no colo da nova equipe econômica e, principalmente, da presidente Dilma Rousseff.

Por meio de documentos sigilosos obtidos pelo TCU junto a diversas áreas do governo, os auditores conseguiram comprovar que o Tesouro Nacional efetivamente atrasou o repasse de recursos públicos para os bancos, de forma a melhorar artificialmente as contas fiscais. A prática de atrasar essas transferências é chamada de “pedalada fiscal”. Foram atrasados recursos que pagariam benefícios sociais, trabalhistas e previdenciários, como Bolsa Família, seguro-desemprego, abono salarial e as aposentadorias públicas pagas pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Todos os bancos, públicos e privados, sofreram com os atrasos, mas o caso mais grave ocorreu com a Caixa, como já poderia imaginar o leitor (lembram do conflito entre Tesouro e Caixa?)

Sem os recursos para pagar o Bolsa Família, a Caixa precisou usar dinheiro próprio. Essa prática – um banco público “financiar” o Tesouro – é proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Além disso, o TCU também comprovou que o Tesouro aproveitou-se de portarias editadas pelo Ministério da Fazenda para atrasar os repasses de recursos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Essa conta de atraso chegou a impressionantes R$ 19,6 bilhões em junho de 2014. O dinheiro era devido pela equalização de juros para o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que o BNDES oferece desde 2009. O PSI dá dinheiro subsidiado a empresários.

Por conta disso, o TCU vai determinar ao Ministério da Fazenda que devolva, “de imediato”, todos os recursos devidos ao BNDES. Mais que isso: o TCU quer convocar nada menos do que 14 autoridades do governo Dilma para darem explicações (ou “razões de justificativa”, pelo termo técnico) num prazo de quinze dias após a publicação do relatório. Entre as autoridades estão o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, o subsecretário de Política Fiscal do Tesouro, Marcus Aucélio, os presidentes da Caixa, Jorge Hereda, e do BNDES, Luciano Coutinho, além dos ministros das Pastas que sofreram os atrasos – Tereza Campello (Desenvolvimento Social), Manoel Dias (Trabalho) e Gilberto Occhi (então na Cidades, agora ministro de Integração Nacional). O TCU também quer convocar o atual ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que fora secretário-executivo do Ministério da Fazenda sob Mantega.

Mas não foi apenas isso o que o TCU comprovou. Os auditores também colocaram o foco no Banco Central.

Um dos pontos investigados pelo tribunal é o misterioso “caso dos R$ 4 bilhões“. O leitor atento deve lembrar do que isso se tratava: em maio, o BC descobriu que um volume de nada menos de quatro bilhões de reais foi encontrado em uma conta paralela de um banco privado nacional. Esses R$ 4 bilhões referiam-se a um crédito a favor da União. Isto é, esse dinheiro, quando encontrado, foi incorporado nas contas públicas, aumentando os ativos do governo federal.

Mas por que aquele dinheiro estava em uma conta que escapava ao sistema de verificação fiscal do BC? Por que o banco privado fez aquilo?

O TCU aponta em seu relatório que os R$ 4 bilhões referiam-se a despesas do INSS, geradas pelo Tesouro Nacional em todas as instituições financeiras que pagam aposentadorias públicas. O TCU determina que o BC adote, “de imediato”, providências no sentido de “aprimorar a rotina contábil a ser utilizada pelas instituições financeiras para o registro de movimentações no âmbito de pagamento de benefícios do INSS”. O nome do banco não foi informado.

Também no BC, o TCU entendeu que os registros contábeis da autoridade monetária precisam ser alterados. Um exemplo é o supracitado atraso do Tesouro com recursos devidos ao BNDES. Como falamos acima, o Tesouro registrava em junho de 2014 um passivo de R$ 19,6 bilhões junto ao BNDES. Mas, no mesmo mês (junho/2014), o BC registrava um passivo muito inferior, de R$ 7,4 bilhões. Por conta dessas discrepâncias, o TCU afirma em seu relatório final que “as estatísticas fiscais do BC não estão registrando o valor integral”.

Chegamos, caro leitor, bem próximo ao clímax da investigação.

O relatório final do TCU está, neste momento, no gabinete do relator do caso, ministro José Múcio. Segundo a dinâmica do tribunal, o relatório precisa agora ser apreciado por Múcio, que definirá o que será levado ao plenário, para discussão de seus pares. Após a votação do plenário, o TCU publica o resultado como decisão.

Um influente economista do setor privado disse ao Estadão que o ministro José Múcio pode exercer na área econômica o papel desempenhado na área política por Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Sobre Múcio já são exercidas pressões de diferentes áreas do governo Dilma para evitar que ele aceite integralmente o relatório produzido por seus técnicos, que além de especialistas no assunto investigado, passaram três meses auditando documentos de ministérios e bancos públicos.

O impacto que uma decisão do TCU pode ter sobre as contas públicas é enorme.


por João Villaverde, no Estadão

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