terça-feira, julho 21, 2015

A receita despenca

Consertar o avião em voo já é difícil, mas tudo estaria bem melhor, para o governo, se esse fosse o desafio. O quadro é muito mais complicado. No meio de uma recessão e de muita insegurança para empresários e consumidores, a equipe econômica tenta fazer o reparo enquanto o avião perde altitude rapidamente, como indicam os últimos dados da arrecadação federal. A receita de junho, de R$ 97,09 bilhões, foi 2,44% menor que a de um ano antes, descontada a inflação. Foi o pior desempenho para o mês desde 2010, último ano de crescimento econômico superior a 3,9%. O valor coletado no primeiro semestre deste ano (R$ 607,21 bilhões) ficou 2,87% abaixo do contabilizado entre janeiro e junho de 2014. Sem sinal de melhora econômica nos próximos meses, a meta fiscal ainda mantida pelo Executivo federal, um superávit primário de R$ 66,3 bilhões, parece cada vez mais duvidosa.
As contas do governo central e o desempenho do setor público em todos os níveis devem ser conhecidos antes do fim do mês. Nada permite esperar resultados muito melhores que os dos últimos meses. O senador Romero Jucá (PMDB-RR) propôs, em recente projeto de lei, reduzir a meta fiscal consolidada para 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), algo próximo de R$ 22 bilhões. Mas o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ainda exibe a disposição de buscar o objetivo fixado no começo do ano.

As projeções de arrecadação para 2015 já foram amplamente rebaixadas pelos técnicos da Receita Federal. As condições da economia pioraram consideravelmente desde o meio do ano passado e os impostos e contribuições coletados pelo governo têm ficado bem abaixo das estimativas. O baixo nível de atividade explica diretamente parte desse resultado, mas, segundo o pessoal da Receita, é preciso levar em conta outros fatores.

Os incentivos fiscais concedidos nos últimos anos foram parcialmente anulados, mas os benefícios ainda em vigor continuam prejudicando a arrecadação. Além disso, empresários têm abandonado os procedimentos habituais para recolher menos tributos.Tradicionalmente, a maior parte das grandes empresas prefere recolher o Imposto de Renda (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com base em estimativa mensal. Mas podem mudar sua política e adotar o recolhimento com base no resultado efetivo e nas expectativas, deixando a maior parte dos pagamentos para a declaração final de ajuste.

Essa explicação aparece em nota divulgada na quarta-feira passada, juntamente com o resultado de junho, pela Receita Federal. Na mesma nota os técnicos mostram a piora da arrecadação e das projeções, desde as estimativas iniciais formuladas para 2014 e 2015. A receita administrada ficou em R$ 739 bilhões em 2014, R$ 12,5 bilhões abaixo da estimativa ajustada ao ciclo econômico. A nova projeção para 2015, também com base no ciclo, indica uma arrecadação de R$ 810 bilhões, bem abaixo da estimada em maio, quando foi anunciado o primeiro ajuste no orçamento do ano. Só aí há uma diferença de R$ 39 bilhões, mas, nesta altura, até os R$ 810 bilhões são considerados um resultado improvável.

Além dos problemas técnicos, isto é, das dificuldades criadas pela contração dos negócios e do emprego e pelas estratégias defensivas dos contribuintes, a equipe econômica é forçada a enfrentar obstáculos políticos importantes. Mas nem só o resultado fiscal de 2015 é nesta altura muito incerto. Também as possibilidades de recuperação da economia em 2016 parecem, agora, muito limitadas. Os técnicos da Receita calculam para este ano uma contração de 1,5% para o PIB, alinhando-se, portanto, aos especialistas do mercado financeiro e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para 2016, os técnicos do Fundo projetam um crescimento de 0,7%, muito modesto, mas até essa previsão já parece pouco segura.

Mesmo com um crescimento pouco superior à taxa de 0,7%, dificilmente a arrecadação permitirá alcançar a meta fiscal ainda em vigor para 2016, um superávit primário de 2% para o pagamento de juros. Mesmo para um governo politicamente muito mais forte que o atual seria um alvo muito ambicioso.
Editorial, Estadão

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