segunda-feira, julho 06, 2015

O "Titanic" e o ajuste fiscal

A recessão da economia brasileira será duradoura e não aponta uma rota de otimismo no curto e médio prazo. O estrago produzido nos últimos anos não poderá ser deletado apenas pelo ajuste fiscal que vem sendo implantado. Ele é emergencial, objetiva impedir que o caos econômico se instale. O descontrole dos gastos públicos foi o determinante para a completa desestruturação da política econômica. Excesso de desoneração beneficiando áreas específicas, intervenção na economia, expressada na "nova matriz econômica!", geraram a redução da arrecadação, atingindo em cheio os investimentos. O crescimento econômico foi o grande sacrificado. Paralelamente o gasto público foi expandido sem critério e disciplina.

O economista Mansueto Almeida, especialista em políticas públicas, vem demonstrando que o ajuste fiscal tem impacto direto no bolso da população. O orçamento familiar, através a cobrança de tributos é o grande sacrificado. Imposto sobre Operações Financeiras, sobre produtos industrializados e de importação, além do realinhamento dos preços administrados de combustíveis e das contas de luz, por exemplo, são repassados à sociedade, afetando diretamente a realidade da ascensão social ocorrida nos últimos anos. A inadimplência familiar tornou-se fato indiscutível. O desemprego decorrente da estagnação da economia vem invadindo todos os setores. Vale dizer, a conta da irresponsabilidade econômica produzida pelas autoridades governamentais é repassada para as famílias brasileiras.

O ajuste fiscal para garantir "superávit primário" (economia do governo para manter contas positivas e pagamento da dívida pública), sem alternativa, confisca a renda dos brasileiros com apetite pantagruélico. Em um cenário de economia enfraquecida, com uma redução do PIB (Produto Interno Bruto) em 2015, calculado entre 1,8% a 2%. Na outra ponta, o Banco Central executa ativa política monetária com juros elevados para combater a inflação. Lamentavelmente o BC foi omisso e conivente no governo Dilma Rousseff I, quando ignorou o perigo que representava a redução irrealista e populista das taxas de juros. A inflação no ano próximo vai se reduzir basicamente pela recessão, pelo desemprego (pode ultrapassar os 10%) e pela queda dos investimentos nas áreas produtivas.

Para enfrentar esses e outros desafios, produzidos pela "fantasia populista" dos últimos anos, recolocando o Brasil em trajetória de crescimento sustentável, não será tarefa simples. Infelizmente o governo Dilma Rousseff não tem visão e liderança para implantar reformas estruturais, fundamentais para a retomada do desenvolvimento. Herdou do governo Lula II, o Estado endividado, agravado a partir de 2008, com a crise das finanças internacionais apelidada jocosamente de "marolinha" pelo então presidente da República. Ao invés de enfrentar a conjuntura econômica adversa, o governo Dilma resolveu ampliá-la com o crescimento sendo estimulado artificialmente pelo gasto público, adjetivando sonhadoramente de "nova matriz econômica". Instaurou um capitalismo de Estado com fartos subsídios, via BNDES, para setores privilegiados. Reeleita, a soma dos equívocos e imcompetências afloraram com grande ímpeto fragilizando o seu governo e vendo a popularidade virar pó. Foi obrigada a terceirizar o poder, entregando a economia a Joaquim Levy e a agenda política ao PMDB do vice Michel Temer.

Temos um governo sem credibilidade, onde a confiança da população vai se esvaindo dia a dia. E recuperar credibilidade e confiança só seria possível com uma agenda positiva, onde a retomada das reformas estruturais, abandonadas nos governos Lula/Dilma, se transformem em realidade. Sem elas a retomada de um ciclo econômico duradouro na economia brasileira é missão impossível. O ajuste fiscal emergencial em execução objetiva impedir que o "Titanic" se choque com o "iceberg". Não sendo suficiente para recolocar o País em rota de crescimento. Os próximos anos serão de baixo crescimento, com agravamento da questão social e ambiente econômico e político adverso e tumultuado. Quem viver, verá.

Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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